Caso Americanas: o que dizem os especialistas em contabilidade
Nas últimas semanas, o rombo bilionário nas planilhas da Americanas só reforçou a importância da contabilidade, de seguir regulamentações e padrões contábeis para evitar problemas financeiros.
Sumário - Leia neste artigo:
O caso Americanas
Em resumo, o valor de mais de 40 bilhões em dívidas é resultado de uma operação que envolve seus fornecedores e os bancos. Porém, o que é preciso destacar é que o processo da operação é comum, mas o grande problema enfrentando pela empresa estava na forma como o registro dessas dívidas eram feitas nas planilhas contábeis.
O processo era simples: o fornecedor recebia os pedidos e, antes da venda, a Americanas quitava o pagamento com um empréstimo do banco. Com isso, o fornecedor recebe e a companhia paga depois a instituição bancária com os juros. Isso é legal. O problema foi na hora de registrar esses valores.
Em vez de registrar a dívida financeira, a Americanas registrava no balanço a dívida com o fornecedor – que não tinha juros. E isso ao longo de vários anos, o que causou o rombo bilionário na companhia.
O coordenador contábil de Atlas Inteligência para Gestão, Paulo Picarelli, falou sobre o caso e trouxe pontos importantes que as empresas podem se atentar para evitar riscos na contabilidade, comprometendo, assim, a saúde financeira da empresa.
Risco Sacado
Estourou nos últimos dias o pronunciamento de Sergio Rial, novo CEO do Grupo Americanas, sobre o rombo de mais de 40 bilhões na empresa. Este valor não surge de repente como um rombo propriamente dito, mas de anos a fios realizando a prática contábil inconsistente (não estamos entrando aqui em julgamento do trabalho da contabilidade ou de um suposto aval dado pela Administração para realizar a operação dessa maneira visando a aumentar momentaneamente seus lucros) na operação de Forfait, ou Risco Sacado, muito comum nas empresas de Varejo.
A operação de Risco Sacado consiste em: seus fornecedores antecipam os recebimentos do varejista na data atual, com a taxa de desconto aplicada diretamente a ele e o varejista não precisa realizar a antecipação de recebíveis para quitar suas dívidas a vista. “É uma operação em que todo mundo ganha: o varejista melhora sua capacidade de negociação, afinal, “paga a vista”, o banco ganha os juros da antecipação e o fornecedor recebe antes para manter seu fluxo financeiro”, explica Picarelli.
Se a operação é comum, por que do rombo?
Picarelli explica que, mesmo que seja uma prática comum, o problema é que, ao antecipar o pagamento, o saldo contábil da conta de fornecedores em aberto com o valor original do título precisa ser segregado em duas partes:
- Separação da dívida com Fornecedores em dívida Financeira: uma reclassificação contábil deduzindo a linha de fornecedores e transferindo o valor para obrigações financeiras, no valor total do título antecipado;
- O ajuste do valor antecipado a vista para o fornecedor: com a antecipação ao fornecedor, é necessário deixar no estoque apenas o valor da mercadoria adquirida com este título antecipado no valor quitado a vista, e o restante do valor a ser pago ao fornecedor se encaixa como uma despesa financeira. Essa redução no estoque tem como contrapartida uma conta redutora no passivo, a qual, no pagamento da dívida principal, deve ser reconhecido como despesa financeira a taxa deste valor antecipado.
A grande pergunta feita durante as notícias sobre o caso estavam baseadas em entender como a Americanas não apresentou sinais de que estava passando por essa situação. Picarelli afirma que por mais que o preço das ações da Americanas estivesse consideravelmente bom antes da divulgação do rombo, era de se esperar que algo não estivesse bem. “Nas lojas físicas, a Americanas era, dentre as grandes lojas de varejo, a que menos mudou e inovou durante os últimos anos”, completa.
O coordenador contábil também ressalta que, em relação aos números, ao olhar para o passivo da empresa, no último trimestre fechado divulgado, pôde ser analisado um aumento nas linhas de debêntures e empréstimos a pagar: 65% dos totais do passivo circulante e não-circulante, e também, a redução da linha de fornecedores, o que, sem o rombo, já indicaria que a empresa está tomando recursos de terceiros para financiar sua operação.
Ao cruzar essa informação com o Ebitda, que é a estimativa de geração de caixa, e vem sendo apresentado pela companhia um valor ajustado positivo desde 2019, essa operação acaba se tornando inconsistente.
Contabilidade criativa
A contabilidade criativa é uma estratégia adotada para maquiar as contas e, dessa forma, conseguir investimentos de terceiros ou obter financiamentos bancários. O maior problema é que, ao fazer isso sem os conhecimentos de um contador experiente, a empresa pode cometer graves erros, deixando de recolher os impostos devidos.
Ou seja, a empresa pode criar situações em que os relatórios financeiros não estão representando de forma real as atividades econômicas empresariais, mesmo estando seguindo as normas e regras contábeis.
A “contabilidade criativa” aplicada no caso Americanas consiste em: reconhecia-se um custo mais baixo das mercadorias vendidas, pois o custo era reconhecido com base no valor antecipado ao fornecedor, e não reconhecendo a parte dos juros no resultado desta operação, gerando um lucro maior. “Todos estes juros acumulados no período gera o rombo inicial de 40 bilhões, que pode ser bem maior após as análises e perícias a serem feitas”, completa Picarelli.
A análise
Ainda não é possível mensurar se foi um erro culposo da contabilidade, ou se houve interferência da Administração em manipular os resultados, visando diminuir as obrigações financeiras em seu balanço para melhorar a obtenção de crédito, ou os lucros foram artificialmente alterados para benefício das pessoas envolvidas sobrepondo o benefício da organização.
Entretanto, este é o momento de se reforçar que a contabilidade tem o papel principal de contar em números a história da organização e retratar com o máximo de credibilidade, relatando a verdade dos fatos, pois as consequências podem ser trágicas: estamos vendo a quebra de uma das empresas de Varejo mais tradicionais e pioneiras do Brasil, manchando o seu nome e colocando milhares de empregos em risco.
A contabilidade pode auxiliar explicando a natureza de cada número, de cada demonstrativo apresentado. Através dela, pode se mostrar o resultado econômico e financeiro, ou seja, se a empresa é lucrativa e se está gerando dinheiro para os sócios e acionistas. “Como toda a história da empresa é contada pela contabilidade através dos números, cabe a nós, profissionais da área, contar essa história com o maior detalhe possível para que a tomada de decisão da empresa seja embasada com todos os detalhes e riscos conhecidos”, reafirma Picarelli.
A contabilidade tem o dever de seguir os princípios e escriturar da melhor forma todas as operações da empresa, não tendo a preocupação com o resultado contábil, mas em garantir que de fato tudo o que aconteceu está demonstrado corretamente em suas peças contábeis.
Picarelli ainda fala que é possível a empresa se recuperar a voltar a crescer em um caso como esse. Mas, vale ressaltar que essa não será uma tarefa fácil, uma vez que depende de uma injeção financeira por meio de investidores para quitar as dívidas já existentes, e também, um trabalho para recuperar a confiança do mercado e de todos os que se relacionam com a empresa para entenderem que ela está trabalhando para sair dessa situação e que será uma nova página na história agora em diante.
Além disso, é preciso ter um departamento de contabilidade bem estruturado. A prestação do serviço nessa área é uma forma de otimizar esse processo e vai além de uma prestação de serviço comum. Ela é praticamente um casamento, no qual todas as informações e tudo que acontece numa empresa deve passar por ela, para realizar todas as tratativas e demonstrar a história em números da melhor forma possível. “Dessa forma, os empresários devem construir uma relação de parceria e confiança, e não ter medo de “abrir o jogo sempre” e relatar todas as suas intenções com o negócio, para que as informações geradas por ela possa colaborar com a tomada de decisão e desenvolvimento dos negócios”, comenta.
Lojas continuam em funcionamento
Mesmo depois de todas as notícias, as lojas físicas da Americanas continuam abertas e funcionando normalmente. Para quem busca compras online, o site também está em perfeito funcionamento: pode continuar comprando sem medo!
O órgão de defesa do consumidor ainda fez um levantamento das reclamações contra a empresa nos últimos dias e compararam com anos anteriores. E o volume de problemas não teve alteração significativa.
Além dessa garantia, o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa da Concorrência) disse que a recuperação judicial da companhia não interfere em nada os direitos que os consumidores têm em relação às compras feitas na empresa. Ou seja, direitos como cumprimento de prazos ou troca em caso de defeito do produto adquirido seguem valendo.
Recuperação judicial
No processo de recuperação judicial, a empresa vai tentar renegociar as dívidas. Então, vão chamar os bancos e fornecedores para tentar descontos e novos prazos. Isso tudo é um processo que costuma demorar meses, às vezes até anos.
Enquanto isso, a empresa poderá tentar vender alguns ativos. Por exemplo, pouca gente sabe, mas a Americanas têm outras lojas dentro dos shoppings brasileiros. Ela é dona da Imaginarium, Puket, rede Natural da Terra e Hortifruti, além de metade das lojas de conveniência do país com a BR Mania.
Para que sua empresa esteja sempre saudável e com os números em dia, aproveite para entender como você pode planejar os conteúdos em 2023 no nosso blog.
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